Ptolomeu, cognominado Filadelfo, sucedeu no reino do Egito a Ptolomeu Sóter, seu pai, e reinou trinta e nove anos. Mandou traduzir em grego as leis dos judeus e permitiu a cento e vinte mil homens que estavam nessa nação voltar ao seu país, e disso devo dar a razão.
Demétrio Falero, diretor da biblioteca do príncipe, trabalhava com
extremo cuidado para reunir, de todos os lugares do mundo, os livros que
julgava merecerem essa honra e tinha isso como coisa que seria muito agradável ao soberano. Um
dia, o rei perguntou-lhe quantos livros possuía, e ele respondeu que eram mais ou
menos duzentos mil, mas esperava dentro de pouco tempo chegar a quinhentos mil,
e que soubera haver entre os judeus muitas obras referentes às suas leis e aos seus
costumes, escritas em sua língua
e em seus caracteres e muito dignas de ocupar um lugar naquela soberba
biblioteca. Porém,
dariam muito trabalho para serem traduzidas em grego, porque a língua e os caracteres
hebraicos tinham grande semelhança com os siríacos. No entanto, isso
poderia ser feito, pois sua majestade não se importava com as despesas.
O rei aprovou essa proposta e escreveu
ao sumo sacerdote dos judeus, para que este lhe enviasse os livros. Aconteceu
que naquele mesmo tempo Aristeu, a quem o príncipe amava extremamente por causa de
sua moderação
e sabedoria, tinha em mente pedir que pusessem em liberdade os judeus que
estavam em seu reino. E essa ocasião pareceu-lhe muito favorável ao seu desígnio. No entanto, ele
julgou dever comunicá-lo
a Zozibe, a Tarentino e a André,
chefes de seus guardas, antes de fazer a proposta ao rei, a fim de que eles apoiassem
o que ia dizer. E todos foram da mesma opinião.
Então ele falou deste modo ao soberano:
"Tendo sabido que vossa majestade tem a intenção de ter não somente uma cópia das leis que os
judeus observam, mas fazê-las
traduzir, eu não
estaria falando com sinceridade se fingisse não ver que isso não pode ser feito
honestamente, quando vossa majestade conserva escravos neste reino um grande número de pessoas dessa
nação. Mas seria, sem dúvida, digno de vossa
bondade e generosidade libertar todos eles dessa miséria, pois, segundo o
que pude concluir, após
ter-me seguramente informado, o mesmo Deus que governa o vosso império e que adoramos sob
o nome de Júpiter,
porque nos conserva a vida, foi o autor da lei desse povo. Sendo, pois, que
nenhuma outra nação
lhe presta tão
grande honra e culto tão
particular, a sua piedade parece me obrigar a encaminhá-los ao seu país. Por isso, suplico
humildemente que vossa majestade creia que a liberdade que tomo de vos falar
assim não provém de nenhuma ligação ou aliança com esse povo, mas
somente por eu saber que Deus é
o Criador de todos os homens, em geral, e que as boas ações lhe são agradáveis".
O rei escutou com atenção essas palavras e, com
rosto alegre, perguntou a Aristeu qual seria o número de judeus aos quais ele propunha a
liberdade. André,
que estava presente, respondeu que podiam ser uns cento e vinte mil. Disse então o rei a Aristeu:
"Credes, então,
Aristeu, que o que me pedis é
um pequeno presente?" Zozibe e Tarentino tomaram, então, a palavra e disseram
ao rei que nada poderia seria mais digno de sua majestade que reconhecer com tão grandiosa ação o dever de agradecer
a Deus por tê-lo
elevado ao trono. O soberano sentiu tanto prazer ao constatar que todos
pensavam do mesmo modo que prometeu — para satisfazer plenamente a vontade de
Deus, segundo o desejo de Aristeu — pagar aos soldados, além do soldo, cento e
vinte dracmas para cada judeu que tivessem como escravo. Eles disseram-lhe que
essa despesa subiria a mais de quatrocentos talentos, mas ele respondeu que
isso não o impediria de fazê-lo.
Inclino-me a relatar as próprias palavras desse
grande príncipe
a esse respeito, a fim de que melhor se conheça a sua generosidade: "Queremos que
todos os judeus aos quais os soldados do falecido rei, nosso pai, aprisionaram
na Síria, na Fenícia e na judéia e venderam no Egito,
como também
os que antes ou mesmo depois foram vendidos em nosso reino, sejam libertados da
servidão, e que se dêem de nossa moeda a
cada um deles cento e vinte dracmas, que os nossos soldados receberão, além do soldo, pelos que
forem de sua propriedade, e que os nossos tesoureiros paguem o resgate dos
outros aos respectivos senhores. Porque tenho motivos para crer que isso
ocorreu contra a vontade do rei, nosso pai, e contra toda a eqüidade, e que os
soldados trouxeram ao Egito esse grande número de escravos pelo único desejo de se
aproveitarem deles. O amor à
justiça e a compaixão que se deve ter dos
infelizes nos obriga a libertar todos esses escravos, depois de paga aos seus
senhores a quantia que estipulamos. E, como não duvidamos de que a bondade da qual
usamos nesta ocasião
não nos será vantajosa, queremos que
a presente determinação
seja cumprida em boa fé,
e, depois que for publicada, os que possuírem tais escravos nos dêem disso uma relação, dentro de três dias. Será permitido denunciar a
quem não nos obedecer, e todos
os seus bens serão
confiscados em nosso favor".
Esse documento foi apresentado ao rei, e
ele achou que não
estava bem explícito,
pois deveria incluir expressamente os que haviam sido feito escravos antes e
depois de tão
grande número ser trazido ao
Egito, quando Tolomeu Sóter
se tornou senhor de Jerusalém.
Ele queria, por uma bondade e magnificência reais, conceder a esses a mesma graça. Então ordenou que se
tomasse a quantia necessária
dos cofres dos tributos, para que fosse entregue aos tesoureiros e distribuída aos soldados como
resgate desses judeus. A ordem foi executada em sete dias, e veio a custar ao
soberano quatrocentos e sessenta talentos, porque os senhores dos escravos
judeus cobraram também
pelas crianças
as cento e vinte dracmas de que falava a ordem real.
Depois de uma libertação tão extraordinária, o rei, que nada
fazia sem madura reflexão,
ordenou a Demétrio
que fizesse publicar a sua determinação a respeito da tradução dos livros hebraicos
para a língua grega.
Registrou-se o pedido apresentado a sua majestade por Demétrio, bem como as
cartas escritas a esse respeito, o número e a riqueza dos presentes que foram
enviados a fim de se dar a conhecer a extraordinária magnificência do soberano e o
que os operários
haviam feito como contribuição
para a arte.
A proposta apresentada ao rei por Demétrio, em forma de
pedido, estava exarada nestes termos: "Demétrio, ao grande rei. Como vossa
majestade me ordenou, fiz uma indagação a mais exata possível dos livros que
ainda faltam para tornar perfeita a biblioteca real. Não houve cuidado ou
solicitude que eu não
empregasse nisso, e tenho de comunicar à vossa majestade que os livros que contêm as leis dos judeus
estão no número dos que faltam,
tanto porque estão
escritos em caracteres hebraicos, que não conhecemos, quanto porque não nos incomodamos em
procurá-los, porque vossa
majestade ainda não
havia manifestado o desejo de possuí-los. No entanto, é necessário possuí-los e que sejam
fielmente traduzidos, porque contêm as mais sábias e perfeitas leis
do mundo, pois foi o próprio
Deus quem as outorgou, o que fez o historiador Hecateu Abderita dizer que não há poeta nem historiador
que tenha falado assim, nem homem que tenha cumprido o que elas determinam,
porque, sendo todas santas, não
devem estar na boca dos profanos. É necessário, pois, se vossa majestade bem o
julgar, que se escreva ao sumo sacerdote dos judeus para que ele escolha, entre
os principais de cada tribo, os mais inteligentes e os que conhecem com mais
perfeição essas leis e vo-los
envie, a fim de que se reúnam
e façam uma tradução exata e capaz de
satisfazer plenamente os desejos de vossa majestade".
Depois que o rei leu essa petição, ordenou que se
escrevesse conforme o que nela se dizia a Eleazar, sumo sacerdote dos judeus, e
determinou que se desse liberdade a todos os judeus que eram ainda escravos no
seu reino. Ordenou que se enviassem cinqüenta talentos de ouro, para a confecção de taças, vasos e outros
objetos próprios
para as oblações,
muitas pedras preciosas, que os guardas do tesouro haviam entregado aos
joalheiros para que escolhessem e trabalhassem as que podiam ser usadas em
adornos, e cem talentos de prata, para os sacrifícios e outros usos do Templo.
Falarei das obras e dos ornamentos em
que foram empregados, mas é
preciso antes apresentar uma cópia
da carta escrita ao sumo sacerdote e dizer de que modo ele foi elevado a essa
dignidade. Depois da morte do sumo sacerdote Onias, Simão, seu filho, sucedeu-o
e foi cognominado o Justo, por sua piedade e extrema bondade para com a nação. Deixou apenas um
filho, de nome Onias, tão
jovem que Eleazar, irmão
de Simão, de quem se trata
agora, exerceu no lugar dele o sumo sacerdócio.
Foi a esse Eleazar que Ptolomeu escreveu a seguinte carta: "O rei Ptolomeu a Eleazar, sumo sacerdote, saudação. O falecido rei, nosso pai, tendo encontrado em seu reino vários judeus que os persas para lá haviam levado como escravos, tratou-os tão favoravelmente que os engajou em grande parte no seu exército, com bom soldo. Colocou vários deles como guarnição em diversos lugares, confiando-lhes até mesmo a defesa. Isso os tornou temíveis aos egípcios. E nós, depois de nossa ascensão ao trono, não lhes testemunhamos menos bondade, particularmente aos de Jerusalém — pois pusemos em liberdade mais de cem mil deles depois de pagar o resgate aos seus senhores — tanto estamos persuadidos de nada mais poder fazer de agradável a Deus para agradecer-lhe a dádiva de haver colocado o cetro em nossas mãos para o governo de tão grande reino. Fizemos também alistar em nossas tropas aqueles que pela idade são os mais aptos a pegar em armas e destacamos mesmo alguns deles para servir junto de nós, como prova de nossa confiança na sua fidelidade. Mas, para vos mostrar mais particularmente a nossa afeição pelos judeus de todo o mundo, queremos que se traduzam as vossas leis do hebraico para o grego, e colocaremos essa tradução em nossa biblioteca. Assim, far-nos-eis coisa muito grata se escolherdes em todas as vossas tribos pessoas que, pela idade e inteligência, tenham adquirido um grande conhecimento de vossas leis e sejam capazes de as traduzir com exata fidelidade. Não duvidamos de que essa obra, saindo como nós esperamos, nos trará grande glória. Para tratar convosco desse assunto, enviamo-vos André, comandante de nossos guardas, e Aristeu, que são dois dos nossos servidores de mais confiança. Eles vos estão levando, de nossa parte, cem talentos de prata, para serem empregados nas oblações dos sacrifícios e em outros usos do Templo. Esperamos a vossa resposta, e ela nos causará grande alegria".
Eleazar, para responder a essa carta o mais respeitosamente possível, assim escreveu ao rei: "O sumo sacerdote Eleazar, ao rei Ptolomeu, saudação. Recebi com o sentimento que devo ter pela vossa real benevolência a carta que vossa majestade se dignou escrever-me. Ela foi lida na presença de todo o povo, e nela notamos, com grande satisfação, sinais de vossa piedade para com Deus. Recebemos também e mostramos a todos os vinte vasos de ouro e os trinta de prata, as cinco taças e a mesa que devem ser consagradas e empregadas nos sacrifícios e no serviço do Templo, bem como os cem talentos que nos foram trazidos, da parte de vossa majestade, por André e Aristeu, cujos méritos os tornam tão dignos da afeição com que os honra vossa majestade. Vossa majestade pode ficar certo de que tudo faremos para mostrar o nosso reconhecimento pelos tantos favores com que vos dignais cumular-nos. Oferecemos também sacrifícios a Deus por vossa majestade, pela princesa vossa irmã, pelos príncipes, por vossos filhos e por todas as pessoas que vos são caras. Todo o povo pediu a Deus em suas orações que escute os vossos desejos, confirme o vosso reino em perfeita paz e faça com que essa tradução de nossas leis vos dê toda a satisfação que possais desejar. Escolhemos, majestade, seis homens de cada uma de nossas tribos para levar até vós as nossas santas leis e esperamos de vossa bondade e justiça que, quando não tiverdes mais necessidade deles, sejam mandados de volta em segurança com os que vos irão apresentá-los".
Seria inútil, segundo a minha opinião, citar aqui os nomes
das setenta e duas pessoas que levaram as leis dos judeus ao rei Tolomeu,
embora todas sejam mencionadas na carta do sumo sacerdote. Não creio, porém, dever passar em silêncio a magnificência e a beleza dos
presentes que o príncipe
ofereceu a Deus, pois podem nos manifestar ainda mais a sua piedade. Não se contentou ele em
fazer grandes despesas para esse fim, mas ofereceu presentes até aos operários, para incitá-los a trabalhar com
maior cuidado e diligência.
Assim, embora a continuação
da história não me obrigue a falar
disso, não deixarei de fazê-lo, pois tão extraordinária liberalidade merece
que dela fiquem indícios
para a posteridade.
Começarei pela soberba mesa. Como o príncipe desejava que ela
sobrepujasse em muito a que estava no Templo em Jerusalém, mandou tomar a
medida desta, e era seu desejo que a sua fosse cinco vezes maior. Contudo, como
ele também tinha em mente a
comodidade e a magnificência,
o temor de torná-la
inútil ao uso a que era
destinada obrigou-o a contentar-se em fazê-la do mesmo tamanho que a outra.
Todavia, para embelezá-la
e enriquecê-la,
usou o mesmo que teria gasto para fazê-la maior, pois era perito em todas as
artes e tão
hábil em inventar coisas
novas e admiráveis
que ele mesmo fornecia os desenhos aos operários e os instruía sobre a maneira de
executá-los.
O comprimento da mesa era de dois côvados e meio, a
largura, de um côvado
e a altura, de um côvado
e meio. Era de ouro maciço,
muito puro. As bordas, cuja largura era de um palmo, tinham florões em relevo, também em escultura,
dispostos ao redor de alguns cordões muito bem trabalhados. Os diversos
lados desses florões,
que eram de forma triangular, eram tão iguais e tão justos que de
qualquer lado mostravam sempre a mesma figura. A parte inferior da mesa era
muito bem trabalhada, mas a superior era ainda mais, porque ficava mais expôsta à vista, e, para
qualquer lado que estivesse voltada, era sempre perfeitamente bela. Pedras
preciosas de grande valor estavam presas com broches de ouro, a distância iguais, aos cordões de que falamos.
Havia também ao redor de toda a mesa grande
quantidade de outras pedras preciosas, cortadas de forma oval e entremeadas de
adornos em relevo. E, ainda ao redor da mesa, estavam representadas, sob a
forma de uma coroa, diversas espécies de frutos, tais como cachos de
uvas, espigas de trigo e romãs.
Todos esses frutos eram feitos de pedras preciosas coloridas e encastoadas no
ouro. Viam-se também,
sob essa coroa, uma fila de pérolas
em forma de ovos e, abaixo das pérolas, uma fileira de pedras preciosas
deforma oval, misturadas com obras de relevo, como as outras.
A mesa era tão bela em si mesma e em
todas as suas partes, e tão
ricamente trabalhada, que de qualquer lado que fosse vista não se notava diferença alguma. Havia por
baixo uma lâmina
de ouro de quatro dedos de largura, que a atravessava inteiramente e na qual os
pés da mesa estavam
presos com grampos de ouro, a igual distância. Esses grampos prendiam de tal modo
a parte inferior da mesa que, estando colocada em qualquer posição, apresentava sempre
o mesmo aspecto.
Gravado sobre a mesa estava um meandro,*
assinalado por grande quantidade de pedras preciosas, como se fossem estrelas.
Era um prazer ver brilhar os rubis, as esmeraldas e tantas outras pedras de
valor, todas estimadas e procuradas pela sua excelência. Ao longo desse
meandro, havia nós
de escultura cujo centro, em forma de losango, era enriquecido com cristais e
com âmbar, em intervalos
iguais e tão
bem dispostos que nada podia ser mais belo ou perfeito. As cornijas dos pés eram em forma de lírios, cujas folhas se
dobravam por baixo da mesa, embora a haste fosse reta. Sua base, da largura de
um palmo, era enriquecida com rubis e tinha uma dobra ao redor. Era de oito
dedos o espaço
entre os pés,
e eles estavam apoiados sobre essa base.
A figura dos pés era admirável. Viam-se heras e
ramos de videira com os cachos entrelaçados de maneira muito delicada, tão agradável e semelhantes ao
natural que, quando soprava o vento, os olhos se enganavam, parecendo vê-los mover-se, como se
não fossem obras de arte,
mas da natureza.
As três peças de que toda a mesa era composta
estavam tão
bem adaptadas que não
era possível perceber as
junturas. A espessura da mesa era de meio côvado. Assim, a riqueza da matéria e a excelência e variedade dos
ornamentos de tão
magnífico presente mostravam
muito bem que esse grande príncipe,
não tendo podido, pelas
razões que citamos, fazer
essa mesa maior que a que estava no Templo, nada economizou para que a
superasse em tudo o mais.
Havia também dois grandes vasos de ouro em forma de taça e talhados em escamas. Neles estavam encaixadas, desde os pés até em cima, diversas fileiras de pedras preciosas, que compunham um meandro de um côvado de largura, e acima dele havia gravuras excelentes. Um tecido em forma de rede, da largura de quatro dedos, que ia até o alto dos vasos e dos compartimentos feitos em losangos, aumentava ainda a beleza daquela obra. As bordas dos vasos eram enriquecidas com lírios e outras flores, e com ramos de videira carregados de cachos de uvas entrelaçados. Cada um desses vasos continha duas grandes medidas. Já as taças de prata eram mais brilhantes que espelhos e reproduziam o rosto dos que as contemplavam.
O rei mandou também trinta vasos, nos
quais o que não
estava coberto de pedras preciosas tinha folhas de hera e de vinha muito bem
gravadas. Não
era possível contemplar essas
obras sem admiração,
porque o zelo a elas dedicado e a sua magnificência contribuíam mais para isso que o
trabalho e a ciência
daqueles excelentes artífices.
O príncipe não se contentou em não medir despesas, mas
deixava até
mesmo negócios
importantes para ir ver os operários
trabalharem. E animava-os de tal modo com a sua presença que eles, para
contentá-lo, duplicavam os
esforços. Depois que o sumo
sacerdote Eleazar recebeu esses ricos presentes, consagrou-os a Deus no Templo,
em nome do príncipe,
e prestou muita honra aos que os haviam levado, despedindo-os com muitos
presentes.
O rei, ao regresso deles, interrogou
André e Aristeu sobre
diversas coisas e mostrou tanta solicitude em conversar com os deputados que
tinham vindo com eles que despediu, contra o seu costume, os que ali estavam
para a audiência
ordinária que ele dava a cada
cinco dias aos seus súditos
(ele também
concedia uma, todos os meses, aos embaixadores). Esses sábios anciãos ofereceram-lhe os
presentes do sumo sacerdote e apresentaram a lei que lhes fora entregue. O
soberano fez perguntas sobre o que ela continha e, depois que a desdobraram,
ficou admirado com a delicadeza do pergaminho sobre o qual estava escrita, em
letras de ouro, bem como com as folhas presas tão juntamente que não era possível perceber as
costuras. Depois de a observar por muito tempo, disse que lhes agradecia por
terem vindo, e mais ainda aos que os tinham enviado, e que não podia agradecer suficientemente
a Deus por haverem trazido a ele as suas leis.
Os deputados, com demonstrações de afeto,
desejaram-lhe toda sorte de prosperidade. O rei ficou tão comovido que não pôde reter as lágrimas, porque elas não são somente sinal de
grande tristeza, mas também
de imensa alegria. Ele ordenou em seguida que entregassem os livros aos que os
deviam guardar, abraçou-os
e disse-lhes que era justo, depois de haver falado do objetivo de sua viagem,
falar também
do que lhes competia fazer. Assim, para mostrar o quanto a vinda deles lhe era
agradável, queria que durante
o resto de sua vida se renovasse a memória daquela data, que coincidia também com o dia em que ele
vencera uma batalha naval sobre Antígono. Concedeu-lhes ainda a honra de
estarem à sua mesa e ordenou que
fossem muito bem alojados, nos altos da fortaleza que fica próxima do promontório.
Nicanor, que era encarregado de receber
os estrangeiros, teve particular cuidado deles e ordenou o mesmo a Doroteu,
pois o rei havia ordenado que, para melhor se tratarem os estrangeiros, as
cidades fornecessem o que tinham do gosto deles e que tudo fosse preparado
segundo o costume do país
de onde vinham. Porque ele sabia que, por mais apetitosas que sejam as
iguarias, não
podem ser consideradas boas se não se adaptarem ao gosto da pessoa ou não forem preparadas da
maneira a que ela está
habituada.
Como Doroteu estava encarregado disso,
Nicanor ordenou-lhe que fizesse duas fileiras de bancos, nos quais os deputados
deveriam sentar-se, nos banquetes do rei, metade deles à sua direita e metade à esquerda. Tudo ele fez
para honrá-los
e ordenou a Doroteu que os servisse à maneira do país deles. Os sacerdotes
egípcios, que tinham o
costume de orar antes da refeição
do rei, não
o fizeram. Então
o soberano disse a Eliseu, um dos deputados, que era sacerdote, que fizesse a
oração. Ele levantou-se e
rogou a Deus pela prosperidade do rei e de seus súditos. Todos os que estavam presentes
proferiram aclamações
de alegria e depois puseram-se à mesa.
O rei, durante a refeição, fez perguntas Fílosóficas aos deputados e
ficou tão satisfeito com as
respostas que continuou por doze dias a tratá-los do mesmo modo. Se alguém quiser saber mais
particulares a esse respeito, terá apenas de ler o que Aristeu escreveu.
Mas o rei não
foi o único que lhes admirou
as respostas. O filósofo
Menedemo confessou que elas o confirmavam na opinião de que todas as
coisas são governadas pela
Providência e lhe forneciam
razões para sustentar o
seu parecer. O rei chegou a conceder-lhes a honra de dizer que obtivera tanto
proveito de suas conservações
que aprendera até
mesmo de que modo devia proceder para bem governar o seu reino. Ordenou em
seguida que fossem levados aos aposentos já para eles preparados.
Três dias depois, Demétrio levou-os por uma estrada
longa sete estádios,
pela ponte que une a ilha a terra firme, a uma casa situada à beira-mar, do lado
norte, afastada de qualquer barulho, para que nada pudesse perturbá-los em seu trabalho,
o qual exigia muita atenção
e cuidado, e rogou-lhes que, tendo naquele lugar tudo o que podiam desejar,
começassem sem mais tardar o
grande empreendimento para o qual haviam sido trazidos. Eles o fizeram com
toda a dedicação
e constância, trabalhando
assiduamente para que a tradução
fosse exatíssima.
Trabalhavam ininterruptamente até as nove horas da manhã, quando lhes levavam o
alimento. (Nisso eles eram muito bem tratados, pois Doroteu seguia exatamente
as ordens recebidas, apresentando-lhes os mesmos alimentos que haviam sido
preparados para a mesa real.) Eles iam todas as manhãs ao palácio saudar o soberano
e depois punham-se a trabalhar, após lavar as mãos nas águas do mar. Empregaram
apenas setenta e dois dias para traduzir toda a Lei.
Terminada a obra, Demétrio reuniu todos os
judeus e leu-lhes a tradução
na presença
dos setenta e dois intérpretes.
Eles a aprovaram, elogiaram muito Demétrio por haver imaginado uma coisa tão proveitosa para eles
e rogaram-lhe que também
mandasse fazer aquela leitura aos chefes de sua nação. Eliseu, sacerdote, o
mais idoso dos intérpretes
e os magistrados constituídos
para governo do povo pediram em seguida que nada mais se viesse a mudar naquela
obra, que fora concluída
com tão raro êxito. Essa proposta foi
aprovada, dando a esse ato força
de lei, porém
com a condição
de que antes seria permitido a cada um examinar a tradução, para ver se nada
havia a acrescentar ou a suprimir e a fim de que, tendo sido o assunto muito
bem ponderado, nunca mais se tivesse de voltar a ele.
O rei viu com grande prazer que o seu
desígnio tivera muito bom êxito, e com proveito
para o povo. E a sua alegria aumentou em muito ainda quando ele ouviu a leitura
das santas leis. Não
se cansava de admirar a prudência
e a sabedoria do legislador que as elaborara. E, um dia, quando conversava com
Demétrio, perguntou-lhe
como nenhum historiador ou poeta havia falado daquelas leis, sendo elas tão excelentes. Ele
respondeu-lhe que, como eram divinas, ninguém se animara a fazê-lo, e os que o haviam
feito foram castigados por Deus. Teopompo, disse ele ainda, teve essa intenção, isto é, inserir alguma coisa
delas em sua história,
e perdeu o juízo
durante trinta dias. Depois de reconhecer, em intervalos de lucidez e em um
sonho, que aquilo lhe acontecera por ele haver querido penetrar as coisas
divinas e dar notícia
delas a homens profanos, a cólera
de Deus foi aplacada com preces, e ele voltou ao seu juízo normal. O profeta
Teodecto, tendo misturado em uma de suas tragédias algo que tirara dos livros divinos,
perdeu a visão
e só a recobrou depois de
reconhecer a sua falta e rogar a Deus que o perdoasse.
Quando o rei recebeu os livros das mãos de Demétrio, adorou-os e
ordenou que fossem guardados com o máximo cuidado, a fim de que em nada
pudessem ser modificados. Disse depois aos sábios intérpretes que era justo permitir-lhes o
regresso ao seu país,
e rogava que viessem muitas vezes visitá-lo, pois os receberia com muito prazer
e dar-lhes-ia tantos presentes que não se arrependeriam da viagem. Depois de
lhes falar de maneira tão
gentil, despediu-os com muitos e magníficos presentes. Deu a cada um diversas
espécies de vestes, dois
talentos de ouro, uma taça
do peso de um talento e assentos para se deitarem e para as refeições.
Ao sumo sacerdote Eleazar, mandou dez
leitos cujos pés
eram de prata, um vaso do peso de trinta talentos, dez túnicas de púrpura, uma belíssima coroa de ouro,
cem peças de fazenda de fino
linho, diversos vasos para beber e turíbulos e taças de ouro para serem consagrados a
Deus. Na carta que lhe escreveu, rogou-lhe que permitisse aos deputados vir
visitá-lo todas as vezes que
quisessem, pois teria grande prazer em conversar com eles, pela sua ciência e capacidade, e
far-Ihes-ia ainda sentir os efeitos de sua liberalidade. Pode-se avaliar, pelo
que acabo de referir, com que magnificência Ptolomeu Filadelfo, rei do Egito,
tratou os judeus.
Fonte:
JOSEFO, Flavio. História dos Hebreus: Obra Completa. Tradução do grego de Vicente Pedroso. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2007
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