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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

5 TIPOS DE TEOLOGIAS REFLEXIVAS

CRISTIANISMO REFLEXIVO

Podemos imaginar os vários tipos de investigação teológica como dispostos num amplo leque de reflexões. Por reflexão entendemos o pensamento formalizado — o uso da mente na organização dos pensamentos e crenças, visando ordená-los de forma coerente entre si e tentando identificar e excluir contradições flagrantes, para obter a certeza de que há boas razões para interpretar a fé cristã do modo como fazemos. A reflexão, portanto, envolve certa dose de pensamento crítico, pois questiona as nossas formas de pensamento, a razão por que cremos e o nosso comportamento. Normalmente exige o exercido da lógica (embora rudimentar) e alguma consciência histórica (ciência de fontes históricas e do desenvolvimento das ideias), Item como certa dose de objetividade para com as crenças e práticas que esposamos.

O leitor pode estar pensando: “Por que a reflexão deveria fazer parte do cristianismo? Afinal, não se presume que os cristãos creiam como crianças e simplesmente concordem, mediante a fé cega, com o que lhes proscreve a Palavra de Deus?”. Acima definimos teologia como fé em busca de entendimento. E quando citamos a reflexão referimo-nos ao esforço intelectual, que se inicia com a certeza acerca de Deus e sua Palavra e tenta descobrir o que realmente está subentendido no crer e no viver, A teologia de fato admite a possibilidade de termos crido incorreta ou incompletamente. Nem Deus nem sua Palavra podem estar errados, mas com certeza pode haver equívocos de nossa parte na interpretação e aplicação das Escrituras. A reflexão é imprescindível a qualquer processo de amadurecimento de ideias.

O filósofo ateniense Sócrates defendia este lema: “A vida não examinada não vale a pena ser vivida”. Com “vida não examinada” ele se referia ao viver sem reflexão — viver momento após momento sem questionar o que cremos ou o modo como nos comportamos. Declaramos que, de certo modo, “a fé não examinada (não refletida) não vale a pena ser vivida”. Em outras palavras, parte do processo de amadurecimento na fé cristã consiste em examinar — de forma crítica — nossa crença e estilo de vida, bem como de outras pessoas. Isso, contudo, não significa pôr de lado os compromissos de fé durante o processo. Não podemos refletir sobre o vácuo! A reflexão pode ser expressa pelo simples gesto de reclinarmos para trás — ou de entrarmos numa biblioteca — a fim de examinar nossos valores e comportamentos secundários à luz de nossas crenças e valores centrais. “Será que são consistentes? Existe uma inteireza — integridade — no que creio e em como vivo minha vida?” Esse é o começo da fé reflexiva. 

As teologias, portanto, estendem-se num amplo leque de reflexão. Numa extremidade está o que chamaremos “teologia popular”, e na outra, o seu oposto: a “teologia acadêmica”. No espaço entre ambas situam-se vários níveis de teologia — algumas menos reflexivas quanto ao enfoque na fé cristã, outras mais. Mais próxima do centro que a teologia popular está a teologia leiga, e a mais central de todas é a teologia ministerial. Movendo-nos mais para a outra extremidade do leque, encontramos a teologia profissional e finalmente — na extremidade oposta à teologia popular — situa-se a teologia acadêmica.

TEOLOGIA POPULAR

Que é teologia popular? Empregamos o termo para descrever a crença não refletida, baseada na fé cega e em alguma espécie de tradição, Não pretendemos com esse rótulo criticar a fé singela dos santos que nunca foram instruídos em teologia formal. 

Conhecemos autênticos servos de Deus que vivem a vida cristã de maneira profunda, mas não têm habilidade para articular suas crenças ou analisá-las de forma crítica. Pelo contrário, empregamos o termo para identificar a teologia que rejeita a reflexão crítica e entusiasticamente abraça a aceitação simplista da tradição informal de crenças e práticas, formada primordialmente por clichês e lendas.

A teologia popular pode ser encontrada em todas as denominações e com grande frequência entre pessoas que se consideram cristãs (ou pelo menos afirmam crer em Deus), mas não são membros de nenhuma denominação ou igreja. De modo geral, a teologia popular rejeita qualquer reflexão na esfera religiosa.A devoção espiritual profunda e a reflexão intelectual são consideradas antitéticas na teologia popular.

A maioria dos adeptos da teologia popular jamais a consideraria “teologia” Contudo, em nossa acepção ampla do termo, assim a definimos, porque contém respostas às perguntas fundamentais sobre a vida e busca elaborar um arcabouço para a crença e a vivência da fé cristã. A teologia popular é muitas vezes intensamente experimental e pragmática — ou seja —, os critérios para a verdadeira crença são os sentimentos e os resultados. Ela se materializa e se perpetua por meio de “frases de para-choque” cristãs: refrãos, clichês e lendas.

Na década de 1950, uma canção popular cristã transmitia a seguinte mensagem: “Se estou sonhando, deixe-me continuar sonhando!” Um cético dissera ao autor, cristão devoto, que sua fé não passava de um castelo no ar. A resposta veio no título da canção. 

Na década de 1960, em que supostos teólogos cristãos proclamavam a “morte de Deus” apareceu um adesivo popular que declarava: “Meu Deus não está morto. Lamento pelo seu!”.

Nas décadas de 1970 e 1980, milhares de jovens cristãos usavam a frase “Nosso Deus é um Deus poderoso!” para sintetizar sua crença, e muitos cristãos começaram a assistir aos televangelistas em vez de comparecer à igreja. Os televangelistas e seus convidados relatavam histórias sensacionalistas com pouca substância e nenhuma comprovação. Essas narrativas populares, no entanto, fizeram sucesso e alastraram-se como incêndio pelas congregações dispersas. Uma dessas “evangelendas” anunciava a descoberta do inferno por cientistas russos que tentavam cavar um buraco até o centro da terra. Outras “evangelendas” davam “sustentação” à crença cristã, e nelas muitos cristãos fixavam sua fé: Triângulo das Bermudas, anjos que pedem carona ou a descoberta do dia perdido de Josué graças à ajuda de sofisticados equipamentos astronômicos.

A característica principal da teologia popular é o apego a tradições orais sem substância, bem como a recusa em medi-las por qualquer parâmetro (bases para crer). Simplesmente elas são cridas porque soam espirituais ou porque são comunicadas por alguém considerado espiritual ou que transmite uma sensação espiritual. Qualquer tentativa de examiná-las objetivamente é evitada e muitas vezes qualificada como “carnal”.

Um exemplo contemporâneo de teologia popular é a onda de interesse por anjos. Entre em qualquer livraria — secular ou religiosa — e encontrará dezenas de livros sobre anjos e outros seres sobrenaturais. Quase sempre a base dos registros é pura teologia  popular — histórias inverificáveis de encontros com anjos que levam a conclusões sobre os atributos desses seres. Alguns desses livros até mesmo encorajam o leitor a estabelecer contato com “seu anjo interior”.

A teologia popular fica evidente quando alguém adota o que é informado e defendido nesses livros (e também nos programas de televisão, sermões, fitas de áudio e de vídeo, e assim por diante) sem razão melhor que a de soar espiritual ou trazer algum conforto. E resistem a qualquer comentário corretivo ou cauteloso com algo do tipo: “Não me confunda. Já tomei minha decisão”. A teologia popular, portanto, é a crença não refletida que se deleita com sentimentos subjetivos produzidos por clichês ou lendas e recusa submeter-se a exame. Em termos gerais, sente-se bastante confortável com sua inconsistência interior e com a crença não questionada em histórias sensacionalistas e em frases de efeito — os principais meios pelos quais é comunicada. 

A teologia popular, por seu conformismo, é imprópria para a maioria dos cristãos. Ela estimula a ingenuidade, a espiritualidade forçada e respostas simplistas aos  difíceis dilemas com que deparam os seguidores de Jesus Cristo neste mundo predominantemente secular e pagão. Retarda o crescimento e embota a influência do cristianismo no mundo. Além disso, muitas vezes é difícil distinguir a teologia popular cristã das respostas enlatadas e sorrisos postiços exibidos pelos membros de seitas que mascateiam de porta em porta suas “novas revelações”.

Teria a teologia popular algum valor para a fé reflexiva? Poderia ela ser uma fonte para os teólogos leigos e profissionais? Embora a teologia popular não seja adequada como patamar para cristãos que pensam e procuram articular suas crenças, reconhecemos que teólogos leigos, ministeriais e profissionais podem aprender sobre os anseios do coração das pessoas. As lendas e clichês que vicejam a teologia popular revelam as necessidades, indagações e anseios espirituais das massas. Não devemos ignorá-los, pelo contrário, é nosso dever recorrer a eles a fim identificar os recursos de que dispõe a fé reflexiva para atendê-los e dar-lhes respostas.

TEOLOGIA LEIGA

A teologia leiga representa, quanto ao nível de reflexão, um passo acima e além da teologia popular. Na realidade, se a reflexão caracteriza a diferença entre a teologia popular e a teologia leiga, a última pode ser descrita como o avanço radical em relação à primeira! A teologia leiga surge quando o cristão comum começa a questionar os clichês e lendas simplistas da teologia popular. Ela emerge quando o cristão escava profundamente os recursos de sua fé, reunindo mente e coração na sincera tentativa de examinar e entender essa fé. A teologia leiga pode carecer das sofisticadas ferramentas dos idiomas bíblicos e da consciência lógica e histórica, porém busca, com os recursos de que dispõe, integrar as crenças cristãs num todo bem fundamentado e coerente, questionando tradições infundadas e eliminando flagrantes contradições. 

Um exemplo de teologia leiga ocorreu quando um cristão comum começou a refletir sobre as palavras cantadas no culto. Ele notou que o líder do louvor escolhia hinos que pareciam discrepantes entre si e contradiziam os sermões. No domingo de missões, o pregador convidado proferiu um sermão de avivamento sobre o iminente retomo de Jesus Cristo e a necessidade de evangelizar o mundo a fim de prepará-lo para sua chegada. O quadro retratado pelo evangelista era sombrio — o mundo em crescente escuridão, pecado e erro. Então, Cristo chegaria para derrotar os inimigos do Reino e dar início ao glorioso reinado de mil anos com seus santos na terra!

O leigo reconheceu a visão defendida de forma geral por sua denominação e até sabia o termo teológico para ela — pré-milenarismo. Imediatamente após o sermão, o líder do culto convidou a congregação a ficar de pé e cantar o hino final: We’ve a story to tell to the nations [Temos uma história para contar às nações]. Pela primeira vez, aquele cristão refletiu sobre as palavras do hino à luz do sermão e descobriu uma grave inconsistência. A canção sugere que o Reino milenar de Cristo chegará gradualmente pelo evangelismo e pela ação social: “... e a escuridão se tornará alvorada, e a alvorada, meio-dia brilhante, e o grande Reino de Cristo virá sobre a terra, Reino de amor e luz”. “Isso é pós-milenarismo”. concluiu. Após o culto, aproximou-se de um membro da equipe pastoral e educadamente perguntou se ele havia notado a discrepância. Foi repelido com uma resposta que classificava aquela reflexão como nociva ao “espírito de adoração” — teologia popular! 

A igreja precisa de mais teólogos leigos como o homem dessa história! Cristãos que pensam podem ajudar a igreja a “rever suas ações” e a apresentar a si mesma e ao mundo uma face consistente, de uma organização que sabe o que crê e por que razão crê no que proclama. Lamentavelmente, porém, a própria teologia leiga, apesar de singela e respeitosa, é tratada pelos que preferem a teologia popular como evidência de diminuição da espiritualidade. Essa reação desencoraja e intimida outros leigos que desejam uma fé mais madura e racional e dá a impressão de que os cristãos em geral são antiintelectuais e preferem confortáveis mitos à fé racional.

TEOLOGIA MINISTERIAL

A teologia ministerial é a fé refletida por ministros treinados e educadores nas igrejas cristãs. Eleva-se acima da teologia leiga quanto ao nível de reflexão exigido. A teologia ministerial não é exclusiva de obreiros ordenados ou profissionais eclesiásticos. A igreja tem grande necessidade de leigos nas áreas de ensino, pregação, exortação e evangelismo. Dando-se conta dessa carência, muitas igrejas criam centros de treinamento informais para encaminhá-los à teologia semiprofissional. Além disso, muitos deles frequentam escolas bíblicas e seminários noturnos ou fazem cursos por correspondência para enriquecer sua capacidade de interpretar a Bíblia e aplicá-la à vida cotidiana neste mundo cada vez mais pós-cristão.

A teologia ministerial, em sua melhor forma, utiliza ferramentas normalmente disponíveis apenas no âmbito do estudo formal — conhecimento básico de idiomas bíblicos ou pelo menos habilidade no uso de concordâncias, comentários e outros auxílios impressos, além de perspectiva histórica acerca do desenvolvimento da teologia no transcurso das eras e pensamento sistemático perspicaz apto a reconhecer inconsistências entre crenças e a estabelecer a coerência entre um item da fé e outro. A teologia ministerial, portanto, encontra-se em algum lugar entre a reflexão incipiente do leigo em fase de amadurecimento e o raciocínio sofisticado do teólogo profissional. 

TEOLOGIA PROFISSIONAL

A teologia profissional é um passo adiante no leque da reflexão e do preparo teológico. O teólogo profissional é alguém cuja vocação requer habilidade com as ferramentas mencionadas no parágrafo anterior e consiste em instruir leigos e obreiros a utilizá-las. É natural que os teólogos profissionais visem elevar seus alunos a um patamar acima da teologia popular, formando neles a consciência crítica que questione pressupostos e crenças infundados. Para fazê-lo, precisam ter consciência crítica. Isso, às vezes, parece a outros ceticismo e hostilidade à devoção e à espiritualidade. E os teólogos profissionais debatem-se diante dessa visão — muitas vezes em grande agonia. 

Nós (Stanley e Roger) entramos na sala de professores de uma proeminente faculdade cristã de artes para travar um diálogo sobre a integração entre fé e aprendizado com professores de diferentes disciplinas. Bastou que sentássemos e nos soltássemos na conversa para que um membro do corpo docente repelisse uma parábola que ouvira sobre teólogos. De acordo com a história, um pobre cristão surpreendido pela noite vagava em círculos numa floresta escura, tentando descobrir o caminho de saída guiado por uma pequena vela. De repente apareceu um teólogo e apagou-a. Evidentemente, a vela da parábola representa a teologia popular, e o que assopra a vela, o teólogo profissional! De nossa parte, mudaríamos a parábola. Um homem vagava pela floresta, e escurecia. Infelizmente, o pobre homem simplesmente ficava andando em círculos porque usava apenas uma lanterna fraca para enxergar o caminho. Então, apareceu um teólogo e forneceu novas baterias para a lanterna, além de lhe mostrar a direção que o tiraria da floresta. Para ajudar o ser humano que andava em círculos, o teólogo teve de fazer uma análise das baterias que fraquejavam!

Os teólogos profissionais às vezes têm a sensação de que alguns cristãos investiram tanto na teologia popular que preferem que ninguém lhes mostre quão inútil ela é para responder aos difíceis questionamentos levantados contra a fé cristã neste mundo em progressivo escurecimento. Talvez os teólogos profissionais não consigam ajudar os que teimam em viver a vida cristã apenas com o auxílio precário da teologia popular, mas sua principal tarefa ou contribuição reside em servir aos teólogos leigos e ministros — ensinando pastores em seminários, faculdades e universidades ligadas a igrejas e escrevendo livros e artigos para ajudar teólogos leigos e ministeriais em suas jornadas de reflexão. Em sua melhor expressão, a teologia profissional exerce o papel de serva, e não o papel senhoril. Ou seja, o teólogo profissional serve à comunidade cristã ajudando pessoas a pensar como Cristo, a fim de que possam ser mais eficazes no testemunho e no serviço, tanto na igreja quanto no mundo.

TEOLOGIA ACADÊMICA

Na extremidade do leque — além da teologia profissional e totalmente oposta à teologia popular —, está a teologia acadêmica. É altamente especulativa, quase filosófica e visa, sobretudo, a outros teólogos. Nem sempre está ligada à igreja e pouca relação tem com a vida cristã autêntica.

Os teólogos profissionais podem beneficiar-se com o estudo da teologia acadêmica, e normalmente exige-se deles que a estudem até o ponto de obterem seus títulos, contudo, a igreja e os cristãos individuais que lutam no mundo real pouco lucram com ela. Considerando que o teólogo acadêmico se dedica intensamente à reflexão, ele pode levar essa reflexão, que é uma coisa boa, longe demais, separando-a da fé e buscando o entendimento em proveito próprio. Em sua pior versão, a teologia acadêmica segue o lenda “Acreditarei somente no que posso entender”, o que é bem diferente da “fé em busca do entendimento”. O romancista contemporâneo John Updike escreveu um romance inteiro sobre os conflitos entre algumas das teologias descritas acima. A personagem principal de Roger’s Version é Roger Lambert, professor de meia-idade que leciona história da teologia numa escola teológica da Nova Inglaterra. Ele tipifica o teólogo acadêmico mais Interessado no que pensa sobre Deus que no próprio Deus! Logo no início da história, encontra um jovem e sincero teólogo popular — que estuda informática na mesma escola — empenhado em provar a existência de Deus por meio de programas de computador e sem nenhum interesse pela teologia formal, acadêmica. Seus encontros e interações proporcionam um interessante — mas não necessariamente edificante! — estudo de caso sobre os extremos do leque da reflexão teológica. Muito antagonismo para com a teologia emerge do equívoco de dois homens que professam lados opostos da teologia — o estudante refratário ao pensamento crítico que demoniza a reflexão, equiparando-a ao pecado da dúvida, e o professor arrogante e indiferente que despreza as dúvidas e preocupações dos cristãos comuns.

TEOLOGIAS INTERDEPENDENTES

A teologia popular e a teologia acadêmica possuem pouco valor — exceto quando se escreve a narrativa repleta de tensões e conflitos situada numa escola universitária de teologia. Na realidade, elas às vezes oferecem perigo à tarefa de examinar, entender e articular a fé cristã. As teologias situadas nos espaços entre esses extremos são todas necessárias e benéficas e de fato se entrelaçam. Teólogos ministeriais devem usar as ferramentas e métodos dos teólogos profissionais para instruir e aprimorar os teólogos leigos, a fim de que estejam preparados para justificar sua esperança aos que dela lhes pedirem conta (1 Pedro 3.15).

A igreja cristã e cristãos que individualmente buscam crescer na fé precisam de teologia leiga, ministerial e profissional. Evidentemente nem todo cristão precisa tornar-se teólogo profissional. Porém, cristãos leigos que buscam aumentar a compreensão de sua fé e crescer acima da teologia popular precisam da ajuda de teólogos ministeriais, que por sua vez utilizam as ferramentas, o treinamento e as descobertas de teólogos profissionais. Teólogos profissionais precisam da comunidade de cristãos leigos conduzida por ministros como contexto para pensar e refletir criticamente. Seu propósito é servir a essa congregação — até mesmo quando seu serviço não for plenamente entendido ou apreciado.

Por isso, quando dizemos que “nem todas as teologias são iguais” não queremos dizer que a teologia profissional seja melhor que a ministerial ou que a teologia ministerial seja melhor que a leiga. Na verdade, estamos afirmando que as três são preferíveis à teologia popular. São igualmente valiosas entre si, embora envolvam níveis diferentes de habilidade na reflexão sobre a fé cristã e seu significado, são níveis interdependentes, e as linhas de comunicação entre eles precisam de fortalecimento. Sem a teologia ministerial e profissional, a teologia leiga com demasiada facilidade tende a recair na teologia popular. O jovem universitário do exemplo inicial deste capítulo em um teólogo leigo que escorregava para a teologia popular devido à recusa em aceitar correção e ajuda da teologia profissional.

A personagem de Roger’s Versions tomou-se teólogo acadêmico, pelo menos em parte, porque deslizou lentamente para o desprezo pela igreja e pelos cristãos “normais” e passou a valorizar os próprios pensamentos sobre Deus mais que a congregação do povo de Deus, à qual deveria servir. Esse é o destino mais comum dos teólogos profissionais que não mantêm contato regular com cristãos leigos e seus pastores.

Fonte:

GRENTZ Stanley J. e OLSON, Roger E.. Iniciação à Teologia: um convite ao estudo acerca de Deus e de sua relação com o ser humano. São Paulo: Editora Vida, 2006.

Visão Panorâmica dos Apócrifos

Canonicidade dos apócrifos

        Sobre o problema da canonicidade dos apócrifos, o padre José Carlos Rodrigues afirma: 

       Assim, a primeira versão latina da Bíblia (Itália) feita da LXX [Septuaginta] continha, segundo a opinião dos melhores críticos, todos os apócrifos exceto III e IV Macabeus, mas acrescentou-lhe IV Esdras, que corria em separado. Na versão de Jerônimo do original hebraico ele excluiu, está visto, os apócrifos, cingindo-se aos 22 livros daquele códice. Mais tarde, disse porém (no seu Prol. dos Liv. de Sal.) que “como a igreja lê Judite e Tobias e os livros Macabeus, apesar de não recebê-los no Cânon das suas  Escrituras, também deve ler estes dois livros (Sabedoria e Eclesiástico) para mera edificação, não para confirmação dos dogmas da mesma igreja”. 

        Depois dessa concessão, não é de admirar que todos os apócrifos fossem obtendo reconhecimento geral. Nos concílios de Hipo ou Hipona (393) e Cartago (397), dominados por Agostinho, foram reconhecidos como canônicos Tobias, Judite, 1Macabeus, 2Macabeus, Sabedoria e Eclesiástico. Até o Concílio de Trento, em 1546, grandes autoridades eclesiástica dos católicos romanos ainda se manifestavam contra a canonicidade dos apócrifos, bastando citar Tomás de Aquino, no século XIII. Trento, porém, admitiu como canônicos 3Esdras, 4Esdras, Tobias, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, 1Macabeus e 2Macabeus, bem como os acréscimos a Ester e Daniel. Dos chamados apócrifos, que corriam, o concílio só excluiu o 3Macabeus e 4Macabeus.

     Para nós, todos os “apócrifos” ou “deuterocanônicos” estão no mesmo plano, isto é, são extrabíblicos e não são inspirados. A literatura apócrifa é pouco reconhecida. “O seu estudo nos fascina”, afirma o padre José Carlos Rodrigues, “por apresentar-nos as ideias que flutuavam no judaísmo, quando dele nasceu o cristianismo”. Em nosso estudo, a literatura apócrifa vem ao nosso auxílio fornecendo-nos dados históricos e mostrando-nos o ambiente do Período Intertestamentário.

Eis abaixo um panorama dos apócrifos mais famosos:

3Esdras

Na Septuaginta, os livros canônicos de Esdras e Neemias são designados respectivamente 1Esdras e 2Esdras. Os livros de 3Esdras e 4Esdras correspondem aos apócrifos e são ali chamados Esdras A e Esdras B. O livro relata a história de Josias quando celebrou a Páscoa; menciona as realizações dos últimos reis de Judá; alude ao decreto de Ciro, à carta dos samaritanos a Artaxerxes, às ordens de Damasco, ao triunfo de Zorobabel, à reconstrução do templo de Jerusalém e de sua dedicação ao Senhor, à chegada de Esdras na Cidade Santa com sacerdotes e levitas e à leitura da Lei de Moisés em 444 a.C. O autor desse “apócrifo” inverte a ordem dos reis persas e dificulta a inteligibilidade de alguns passos históricos. O que caracteriza o livro é a história de três rapazes e a vitória de Zorobabel, que, segundo José Carlos Rodrigues, são verdadeiros contos orientais, à semelhança de “Noites árabes”. Aparece no livro um debate sobre “Qual a coisa mais bela?” Há também outras histórias hilariantes.

4Esdras

Afirma-se que tenha sido escrito em grego e depois traduzido para o latim, mas até hoje só foi encontrada a parte latina. O que levou muitos críticos a essa conclusão foi o número absurdo de helenismos presentes na obra. Atribui-se que o livro tenha sido escrito nos dias do imperador Domiciano (81-96 d.C.). Parte do livro baseia-se nas tradições judaicas e partes em tradições cristãs. Consta sobretudo de uma série de revelações a Esdras concedidas por um anjo. O judaísmo é apresentado nessas revelações em seus melhores aspectos. 

  • 1. Primeira visão (3.1—5.20). Esdras está sentado em Jerusalém, 30 anos depois de sua destruição. O vidente chora ante as ruínas da grande cidade e ante o opróbrio de seu povo, humilhado no exílio. Nesses momentos de tristezas, aparece-lhe o anjo Uriel, que o censura, dizendo-lhe que a maldade deve permanecer algum tempo, do mesmo modo como as almas no inferno têm o seu tempo de ali permanecerem.
  • 2. Segunda visão (5.21—6.34). Esdras queixa-se. O mesmo anjo lhe aparece. Desta vez para lhe dizer que o “fim” está próximo e quem o trará é o próprio Criador. 
  • 3. Terceira visão (6.35—9.25). O anjo Uriel explica a Esdras que quando o fim do mundo estiver iminente, cujos sinais já lhe foram concedidos, Deus enviará o seu Filho Unigênito com a corte de sua Majestade. Haverá então um período de 400 anos de alegria completa. Findo esses anos, o Filho e os seus escolhidos morrerão. Segue-se a ressurreição, para o juízo, cujo tempo é de um ano-semana. Nessa ocasião, haverá separação entre bons e maus. Como severo castigo, não haverá mais tempo para arrependimento. Ninguém poderá interceder pelos maus. Diante disso, o vidente lastima que tão poucos se salvem, ao que o anjo lhe retruca: “... os únicos culpados desse estado de perdição foram eles mesmos que escolheram o caminho da impiedade”.
  • 4. Quarta visão (9.26—10.60). Esdras continua a se queixar. Levantando porém os olhos, vê uma mulher, cujo único filho concebido após 30 anos de esterilidade morrerá à espada quando a cidade for destruída. Ele morrerá exatamente no dia em que se casaria. A mulher levanta o rosto e grita; a terra treme, muda-se o cenário; em lugar da mulher, o vidente depara-se com o panorama de uma encantadora cidade. Uriel então explica-lhe a visão: a mulher é Sião; os 30 anos correspondem aos 300 anos em que ali não se ofereceu sacrifício ao Deus Verdadeiro; o nascimento do filho, a construção do templo de Salomão; a sua morte, a queda de Jerusalém; a nova cidade, Jerusalém reedificada, cuja visão deveria confortar Esdras. 
  • 5. Quinta visão (11.1—12.51). Esta é a mais terrível e complicada. Esdras vê que do mar sobe uma estranha águia com três cabeças e seis pares de asas, além de oito sobre asas. As asas se dominam mutuamente por vários períodos, até se acabarem, restando apenas três pares de pequenas asas que, pouco a pouco, se vão consumindo. A cabeça do centro domina a terra toda; no fim, desaparece. As duas restantes se devoram simultaneamente. Levanta-se um leão que, com voz de homem, brada que a águia era o quarto dos animais a quem Deus confiara a direção do mundo. Tal águia era representativa do último reino de Daniel; as asas eram reinos também. O leão não era senão o Messias do Altíssimo, separado para determinado objetivo. Depois do desenrolar dessas cenas, Uriel ordena ao vidente que registrasse essa revelação, mas não a divulgasse. 
  • 6. Sexta visão (13.1-58). O vidente contempla um homem saindo do mar; a esse se vêm juntar multidões de outros homens. O anjo diz a Esdras: o homem da visão é aquele por meio de quem Deus resgatará toda a criação. Os seus inimigos serão extintos pela Lei, que é um verdadeiro fogo. 
  • 7. Sétima visão (14.1-50). O anjo ordena a Esdras que leve a notícia a seu povo, a fim de que este se preparasse convenientemente, pois o Poderoso vai levá-lo da terra. 

1—2Macabeus

Considera-se 1Macabeus, de autor desconhecido, o mais importante dos apócrifos. Não se sabe quando foi escrito. É quase uma fonte histórica de informação sobre a família Macabeia. Foi escrito em hebraico, mas só temos cópias em grego. O autor revela-se perito historiador, homem religioso, grande patriota e criterioso. Tem especial predileção por Judas Macabeu. O livro narra a história de como a Síria chegou a governar a Palestina durante 40 anos (175-135 a.C.), só sendo liberta quando João Hircano começou a reinar ali. Na purificação do templo discutiu-se a questão de onde ficariam as pedras do velho altar, atualmente profanadas e poluídas pelos sírios. Resolveram guardá-las até que viesse um profeta que determinasse sobre elas. O texto esclarece que a eleição de Simão para o cargo de sumo sacerdote seria interinamente, até que surgisse um profeta.

O livro de 2Macabeus é bem diferente do primeiro. Foi escrito muito mais tarde. Conforme lemos em 2.23, esse livro é resumo de uma história mais desenvolvida, em cinco volumes. Seu autor foi Jason de Cirene e abrange um período de 15 anos do período compreendido no primeiro livro, embora sejam independentes. O prefácio de 2Macabeus tanto tem de longo como de desconexo. O autor discute o saque ao templo por Seleuco IV e termina na vitória de Judas sobre Nicanor (160 a.C.). O livro está eivado de lendas. Encontramos nele a que diz respeito à Arca, que seria oculta numa caverna, até que os judeus voltassem do cativeiro. Encontramos nele a doutrina da intercessão pelos santos (7.28; 15.14). Aparece também a crença na oração pelos mortos, doutrina estranha ao Antigo Testamento.

Tobias

É um livro de história. Refere-se a Tobiel, pai de Tobias, da tribo de Neftalí. Segundo algumas tradições, a família de Tobiel foi levada cativa para Nínive, onde permaneceu. Tobiel entregara a um amigo em Rages, na Média, certa quantia em dinheiro. Era observador fiel e rígido de Moisés, e crente muito piedoso. No exílio, entregava-se a obras de beneficência, enterrando os cadáveres de seus patrícios, abandonados insepultos pela impiedade dos filhos de Assur. Conta-se que, certa vez, voltando de sepultar um judeu, não desejando continuar em sua casa, dormiu ao ar livre e, ao acordar, estava completamente cego. No decorrer dos anos, já velho, enviou seu filho Tobias a Rages buscar os dez talentos de prata que ali deixara. Ao longo do caminho, Tobias depara-se com um homem que também ia a Rages à procura desses dez talentos de prata. Era o anjo Rafael disfarçado. Banhando-se ambos no rio, Tobias apanha um peixe, cujo fígado, segundo ordem do anjo, deveria ser guardado e estar sempre com ele. Em Rages, Tobias recebe os dez talentos de Gabel, por cuja filha se apaixona e a quem propôs casamento. Esta, porém, tivera sete maridos, todos morrendo na noite do casamento pela maldade do demônio Asmodeu. Rafael ordenou a Tobias que, ao entrar no camarim nupcial, queimasse o fígado do peixe, cuja fumaça espaventaria Asmodeu. Feito isto, logo a felicidade lhe sorriu. De regresso, Tobias curou a cegueira de seu pai, que ainda viveu 100 anos. O próprio Tobias viveu 127 anos. 

Judite

Esse livro é uma exortação. Nota-se nele grande influência farisaica. A cena desenrola-se da seguinte maneira: o rei Nabucodonosor, da Assíria [?], querendo atacar Arfaxão ou Arfaxad, rei da Média [?], pediu reforços à suas colônias, que negaram o auxílio. Holofernes, general de Nabucodonosor, é o vencedor. O espírito de vingança o levou a perseguir pequenas colônias, contando-se entre elas Israel. Holofernes cercou a cidade de Betúlia em Esdraelon; quando ia precipitar-se sobre aquele povo, Judite, uma linda viúva judia, foi ter com Holofernes. Este ficou deslumbrado diante da beleza de Judite; mandou preparar um banquete, onde se embriagou grandemente. Após as festas, retirando-se o povo, Judite ficou só, na tenda, com Holofernes. Valendo-se da embriaguez do general, Judite o degola com sua própria espada, mete-lhe a cabeça no saco de sua escrava, entra em Betúlia aos aplausos, e às aclamações do seu povo que, frenético, a recebeu.

Eclesiástico

Afirma-se que é o principal ou a fina flor dos apócrifos. No entanto, não ganhou lugar entre os livros canônicos do Antigo Testamento. Originalmente foi escrito em hebraico, num estilo dos mais apurados. Parte do original foi descoberta em 1896 e impressa no ano seguinte na imprensa da Universidade de Oxford pelo editor A. E. Cowley. Está incluído na Septuaginta com o nome de Sabedoria de Jesus, filho de Sirac. Cipriano, do século III d.C., o designou Eclesiasticus. Os latinos o usaram. Agostinho, no seu “Speculum”, coleção de versos bíblicos, destinou cerca de 15% do espaço de seu livro a passagens desse livro, que é composto de 51 capítulos. Foi escrito possivelmente no tempo do rei Fiscon, irmão de Ptolomeu VII, cerca de 180 a.C. Seu estilo assemelha-se ao de Provérbios, sendo, em tudo, mais homogêneo. Nota-se através de suas linhas que o autor é um grande observador, homem de espírito  levado e profundamente religioso. “Como nos Provérbios”, diz José Carlos Rodrigues, “o autor usa a forma curta de apotegma para incutir os resultados a que chega a sua análise”. O filho de Sirac afirma que a verdadeira sabedoria está, em forma absoluta, em Deus. Obedecer ao Senhor é revelar profunda sabedoria. Eclesiástico estuda as diversas relações entre os homens; dá regras e conselho a todos, como viver na pobreza ou na riqueza, enfermo ou com saúde, na mocidade ou na velhice, na presença de amigos ou de inimigos. É filosofia prática. O autor exalta e louva a Lei de Moisés; entretanto, não se exime da influência do panteísmo grego, onde deixa transparecer traços fundos dessa corrente filosófica em sua obra. Afirma-se que Eclesiástico exerceu alguma influência no cristianismo, principalmente na carta de Tiago. 

Sabedoria de Salomão

Não se conhece o autor desse livro. Originalmente, foi escrito em grego, num estilo esmerado, supondo ter sido escrito por um sábio de Alexandria, entre 150 e 130 a.C. Deduz-se que seu autor era um fervoroso adepto da religião judaica. Seu autor conclui que a única coisa certa era o seu Deus e com ele estava a verdadeira Sabedoria, que, lado a lado com Deus, presidia a tudo. Percebe-se que o livro foi escrito para combater acentuada tendência generalizada entre seus compatriotas de se deixarem arrastar pelas caudalosas avalanches de outros credos religiosos. O autor é de uma penetração rara quando externa sobre a imortalidade da alma humana, afirmando que o homem foi criado à imagem de Deus, “à imagem de sua eternidade”. Também expõe de maneira singular o multissecular problema do sofrimento humano. Nota-se através de suas páginas que o livro é, em grande parte, um libelo terrível contra o epicurismo, cuja semente germinada produz frutos de incredulidade. O livro é precioso, ainda que haja nas suas partes coisas de pouco sabor bíblico, o que impediu sua entrada no cânon.

Acréscimos a Ester

Quem lê o livro canônico de Ester notará que o nome de Deus não aparece uma só vez. Sentindo essa falta, copistas habilidosos dentre os judeus helenistas resolveram infundir-lhe pequenos trechos sobre Deus; fizeram-no, entretanto, sem qualquer êxito, pois tais acréscimos feitos em 114 a.C. não conseguiram incorporação no texto canônico.

Acréscimos a Daniel

O texto grego de Daniel difere do original por incorporar três acréscimos engendrados, não pelos tradutores da Septuaginta, mas por copistas posteriores. Os acréscimos são: “Oração de Azarias e a ação de graças dos três rapazes na fornalha”, “História de Suzana” e “Bel e o Dragão”. Propositadamente deixamos de nos referir a cada uma dessas lendas, que não lograram nenhum êxito no cânon devido ao fato de judeus acharem que o livro é um amontoado de histórias imaginárias, inverídicas, que não afinam com o diapasão bíblico.

Baruque

Esse apócrifo, escrito em Babilônia no século V após a destruição de Jerusalém, é pálida imitação do grande profeta Jeremias. A tentativa do autor de Baruque foi frustrada de modo absoluto. O padre José Carlos Rodrigues afirma que o livro foi escrito em 75 ou 80 da nossa era. Nesse caso, o autor referia-se não a Babilônia, mas a Roma; não ao monarca Nabucodonosor, mas a Tito, filho de Vespasiano. O livro pode ser dividido em três partes: “Liturgia”, “Lei” e “Profecia”.

Enoque

Trata-se de um livro apocalíptico. Dentro desse gênero, há críticos que o reputam como o principal, o mais importante. O nome refere-se ao Enoque de Gênesis 5.24, que viveu 365 anos. Surgiram muitas lendas e histórias em torno de tão ilustre personagem; algumas dentre os judeus, outras fora da Palestina. Devido ao fato de Enoque não ter provado a morte, atribuíam-lhe poderes de operar maravilhas e um conhecimento especial dos mistérios da natureza. As revelações que encontramos nesse livro foram dadas por Enoque. Esse livro é chamado 1Enoque para distinguir de Segredos de Enoque, que mais tarde foi denominado de 2Enoque. 1Enoque perdeu-se. Há pouco mais de um século acharam fragmentos dele na Abissínia. De 2Enoque só se conhece a versão eslavônica. Possivelmente foi escrito por diversas pessoas. O livro divide-se assim: “O apocalipse das semanas”, “Fragmentos do livro de Noé”, “As visões”, “Livros dos lumiares celestes”, “Similitudes” e “Parte final”. A data mais aproximada para a produção de Enoque é um período que vai de 130 a 100 a.C.

  • A primeira parte do 1Enoque (caps. 1—36) é uma visão em que ele implora o perdão de Deus pelos anjos decaídos, que introduziram o pecado no mundo. Deus não lho concede. Resolve girar a terra e o inferno acompanhado de anjo de luz. Na terra, descreve sete arcanjos; no inferno, ele vê os anjos decaídos, cuja prisão se estende de eternidade a eternidade. Saindo do inferno, vê sete montanhas, na mais elevada das quais está Deus no seu trono e junto à arvore da vida.
  • Na segunda parte, “Parábolas” ou “Similitudes” (caps. 37—71), é uma profecia contra os poderosos injustos; serão punidos pela inexorável justiça dos céus. Também nos reporta à habilitação dos justos, cujo serviço principal é adotar continuamente o Deus eterno. No topo da glória, ele vê o “Eleito”, o “Filho do Homem”, cuja missão é julgar. O autor alude à conversão dos gentios e à ressurreição.
  • Na terceira parte (caps. 72—82), o autor se prende à astronomia, que, pelas características, bem poderíamos chamá-la de “astrologia”. Na quarta parte (caps. 83—105) notam-se enormes interpretações e grande confusão. Fala, entretanto, da conversão dos gentios, da ressurreição dos justos e da aparição do Messias.

Apocalipse de Baruque

Supõe-se que o livro hoje conhecido como Apocalipse de Baruque foi escrito logo após a destruição de Jerusalém pelos babilônicos. É uma série de visões. Em vez de ver os babilônios destruindo a Cidade Santa, Baruque vê quatro anjos. Os gentios serão destruídos e então virá o juízo sobre todos os ímpios. Numa das visões, Baruque vê quatro reinos; quando o último estiver prestes a cair, aparecerá o Ungido, cujo reinado será “para sempre”. Prosseguem as revelações sobre a natureza da nova ressurreição, a felicidade dos justos e o castigo dos ímpios. Baruque tem outra visão: a nuvem negra despejando água da mesma cor, mas depois se torna clara. A nuvem é este mundo; as águas, Israel, cuja história oscila para limpidez das águas claras, apresentando os áureos tempos do reinado do Ungido do Senhor, em cujo domínio não haverá tribulação. O livro termina com o capítulo 87. Chegando-se a essa altura, tem-se a impressão de que a história de tais revelações deveria prosseguir. Daí a conjectura de alguns críticos de que a última parte desse livro foi perdida. Os 87 capítulos encontram-se em siríaco.

Testamento dos doze patriarcas

Esse livro foi encontrado em 1300 d.C., num manuscrito grego do século X. Nesse livro, o autor apresenta o testamento dos patriarcas, como se cada um o tivesse escrito, em que se narram seus pecados e suas virtudes. Cada patriarca prevê o futuro de sua tribo. Os críticos se dividem quanto ao tempo em que esse livro foi escrito. Uns afirmam que foi produzido antes de Cristo; outros defendem que é produto da pena de um cristão. Por certas referências, é possível que tenha sido escrito por um cristão.

O livro dos jubileus

O “anjo da presença” concede a Moisés uma revelação divina, cujo conteúdo é a história da criação até a era mosaica, contada de 49 em 49 anos, tempo de um jubileu. A narrativa segue em linhas gerais a de Gênesis, percebendo-se a influência “midrashica”. A narrativa é feita da maneira mais simples possível. Venera-se aí a Lei, principalmente a parte cerimonial. O livro foi escrito entre 160 e 135 a.C.

Conclusão

Poderíamos ter feito resumo de cada apócrifo. Entretanto, só colocamos aqui o resumo daqueles apócrifos que interessam ao escopo deste livro. O leitor poderá ler numa edição católica romana da Bíblia os sete livros apócrifos e os dois acréscimos. Se desejar ler os demais apócrifos, examine o grande comentário de Lange, em inglês, especialmente o volume sobre os apócrifos. É o mais completo que conheço sobre o assunto. A maior parte desses livros apareceu na época da helenização do mundo, isto é, no Período Interbíblico. A leitura dessa literatura, do ponto de vista histórico, é de inestimável valor para a compreensão do estudo desse período.

Fonte:

TOGNINI, Enéas. O período Interbíblico. São Paulo: Hagnos, 2009

As 9 Dinastias do Reino do Norte (Israel)


        O Reino do Norte teve nove dinastias e 19 reis. Nenhum deles "andou nos caminhos de Davi”, sendo que a maioria "andou em todos os caminhos de Jeroboão, filho de Nebate, como também nos seus pecados com que tinha feito pecar a Israel" {1 Rs 16.26), esse refrão, ou fraseologia similar, é repetido diversas vezes em 1 e 2 Reis (1 Rs 22.52; 2 Rs 3.3; 10.29; 13.2, 11; 14.24; 15.9, 18, 24).

Primeira dinastia. Foi fundada por Jeroboão I, seu filho, Nadabe, herdou o trono, mas foi assassinado por Baasa: dois reis (1 Rs 12.19,20; 15.27-29).

Segunda dinastia. Fundada por Baasa, seu filho Elá, que herdou o trono e foi assassinado por Zinri: dois reis (1 Rs 16.6, 12-14).

Terceira dinastia. Foi de apenas um rei, Zinri, que reinou apenas oito dias, até que cometeu suicídio: um rei (1 Rs 16.15,16).

■ Quarta dinastia. Onri e Tibni disputaram o trono do Reino do Norte, pois o povo estava dividido, e Onri venceu. Fundou a quarta dinastia e reinou 12 anos, reinaram quatro reis. Comprou o monte de Samaria e fez da cidade a capital do seu reino (1 Rs 16.21 -34). Seus sucessores foram: Acabe, Acazias e Jorão. O último foi assassinado por Jeú, o que marcou o fim da casa de Onri, ou de Acabe, seu filho (1 Rs 16.28; 22.40; 2 Rs 1.17; 9.24). Quarta dinastia: quatro reis.

■ Quinta dinastia. Foi fundada por Jeú, que exterminou toda a casa de Acabe com os seus 70 filhos (2 Rs 10.1, 11, 14). Seus sucessores foram: Jeoacaz, Joás, Jeroboão II e Zacarias: cinco reis (2 Rs 13.1, 9, 13; 14.29).

■ Sexta dinastia. Fundada por Salum ao assassinar o rei Zacarias numa conspiração (2 Rs 15.10), mas reinou apenas um mês e foi assassinado por Menaém, que assumiu o poder: um rei  (2 Rs 15.13, 14).

■ Sétima dinastia. Fundada por Menaém, que reinou 10 anos. Seu filho, Pecaias, sucedeu-lhe no trono, mas foi assassinado por Peca: dois reis (2 Rs 15.22, 25).

Oitava dinastia. Fundada por Peca, assassinado numa conspiração por Oseias: apenas um rei (2 Rs 15.30).

Nona e última dinastia. Fundada por Oseias, que reinou nove anos e foi deposto pelos assírios. É o começo do cativeiro assírio, em que as dez tribos do norte foram levadas para o cativeiro, em 722 a.C: um rei . (2 Rs 17.1-3, 6).

        Samaria veio a ser a sede do governo das dez tribos do norte. Onri, pai do rei Acabe, comprou um monte de "Semer", de onde vem o nome "Samaria” ou "Samária", em hebraico ]Í"10ÊÍ {shõmrôn) (1 Rs 16.24). A situação do Reino do Norte se deteriorou mais depressa, a decadência caminhava para a anarquia generalizada à medida que o tempo passava. O reinado de Jeroboão II foi próspero, mas corrupto, caracterizado pela violência e pelas injustiças sociais. Samaria caiu em 722 d.C., conquistada por Salmaneser V (2 Rs 17.3) e foi consumada depois por Sargão II {Is 20.1). É o fim do Reino do Norte.

        Os pecados de Samaria eram devastadores, o relato dos livros dos reis revela a instabilidade política por conta da apostasia. Essa situação é confirmada nos oráculos do profeta Oseias, combatendo a idolatria, acompanhada de prostituição, de toda espécie de vício e de violência (Os 4.1-9; 5.1-9; 7.1). A política externa era conduzida de forma insensata, o que levou Israel a confiar nessas alianças internacionais e não em Javé, pois eles haviam perdido a fé em Deus (7.11; 8.9). A festa da coroação dos reis tornou-se evento para maquinações de assassinatos em série, rei após rei, juiz após juiz, uma cadeia de conspiradores (2 Rs 15.10; Os 7.5). Porém, Amós foi o único profeta do Reino do Norte a bradar com veemência contra as injustiças sociais.

Fonte:

SOARES, Esequias . O Ministério Profético na Bíblia. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.